Um olhar ayurvédico sobre os sintomas psíquicos da perimenopausa
- Naradeva Shala
- 24 de set.
- 4 min de leitura
Atualizado: 10 de out.
O silêncio tem mensagem
Por Sabrina Alves
A transição para a rajonivṛtti (cessação do fluxo menstrual) não é apenas fisiológica nem restrita a um único órgão. O Ayurveda reconhece que o corpo como território — incluindo seus canais reprodutivos, energéticos e psíquicos — mantém relação direta com a mente. Quando certos ciclos se transformam, não é raro que os sintomas mais marcantes não estejam no físico visível, mas no campo mental e emocional: insônia, ansiedade, sensação de vazio, irritabilidade.
Na ciencia médica, tende-se a traduzir essa fase em termos de falta hormonal. Já o Ayurveda enxerga nesse silêncio um fenômeno mais amplo: a passagem do ciclo vital, em que vāta doṣa se torna predominante, alterando também o comportamento das funções de Pita e Kapha. O que parece instabilidade ou perda é, para a tradição, um convite a reorganizar corpo, mente e espírito.

A base textual – a mente e doshas
Os textos clássicos apontam claramente que corpo e mente são inseparáveis:
Caraka Saṃhitā, descreve que a mente é influenciada diretamente pelos guṇas sattva, rajas e tamas, e que os doṣas corporais, quando em excesso, também perturbam a esfera mental.
Aṣṭāṅga Hṛdaya, afirma que o equilíbrio entre corpo e mente depende de uma conduta correta (sadvṛtta), indicando que a psique é parte inseparável do processo de saúde.
Suśruta Saṃhitā: aponta que os canais relacionados ao fluxo reprodutivo (ā́rtavavaha srotas) e seus centros, quando afetados, podem repercutir em sintomas que transcendem o físico, influenciando vitalidade, humor e clareza mental.
A perimenopausa como fase processual
O ciclo vital ayurvédico reconhece três dominâncias: kapha na infância, pitta na maturidade, e vāta na velhice. A perimenopausa situa-se justamente na transição entre pitta e vāta.
Vāta, com qualidades de leveza (laghu), secura (rūkṣa) e movimento, quando agravado, leva a sintomas de instabilidade mental: ansiedade, medo, insônia.
Essa leitura explica por que tantas pessoas nessa fase relatam não apenas ondas de calor (pitta), mas sobretudo inquietação, labilidade emocional e dispersão mental (vāta).
Sintomas psíquicos mais comuns: Um olhar ayurvédico sobre os sintomas psíquicos da perimenopausa
Embora os textos não descrevam a “menopausa” como entidade nosológica, eles oferecem termos que ajudam a interpretar os sintomas psíquicos da transição:
Chittodvega – agitação mental, ansiedade.
Nidrā nāśa – perda do sono, insônia.
Mānasa kheda – tristeza, fadiga psíquica.
Smṛti bhramśa – lapsos de memória.
Essas manifestações são lidas no Ayurveda como resultado de vāta prakopa (agravamento de vāta) e dhātu kṣaya (degeneração dos tecidos), somados à flutuação dos guṇas da mente.
Estratégias clássicas de cuidado
a) Snehana (oleação)
Caraka Saṃhitā, recomenda oleação para pacificação de vāta.
O abhyanga diário com óleo morno atua tanto no corpo quanto na mente, reduzindo ansiedade e insônia, trazendo sensação de presença e enraizamento.
b) Rasāyana
Guḍūcī (Tinospora cordifolia) e Brahmī (Bacopa monnieri) aparecem em Caraka como medhya-rasāyana (rejuvenescedores para a mente).
Eles fortalecem clareza mental, memória e estabilizam o sono, além de nutrirem rasa dhātu, sustentando vitalidade na fase de transição.
c) Sadvṛtta (conduta correta)
Aṣṭāṅga Hṛdaya enfatiza práticas como meditação, disciplina na fala e regularidade no sono para manter sattva dominante sobre rajas e tamas.
Recomendações de rotina equilibrada (dinācāryā) ajudam a estabilizar vāta e a sustentar equilíbrio psíquico e comunitário.
Expansões necessárias – corpo, mente e coletividade
O Ayurveda, em diálogo com leituras contemporâneas decoloniais e de Bem Viver, que faço questão de usar como lente para refletir na contemporaneidade, pode sugerir que essas transições não sejam vistas como experiências isoladas. O corpo é território, e seu silêncio ecoa também na comunidade.
A forma como acolhemos a perimenopausa e a menopausa reflete valores sociais: se a tratamos como falha ou como passagem.
A prática do cuidado nessa etapa pode ser ressignificada como forma de resistência: resistir à medicalização excessiva, ao estigma e à invisibilização. O rasāyana, o abhyanga, o alimento sazonal e o convívio comunitário tornam-se ferramentas de reinvenção.
Conclusão – a mente como espelho da passagem
Um olhar ayurvédico sobre os sintomas psíquicos da perimenopausa quando os ciclos silenciam, a mente ecoa suas mudanças. O Ayurveda nos convida a não reduzir esse silêncio a um “déficit hormonal”, mas a compreendê-lo como transição de guṇas, doṣas e srotas.
A perimenopausa é, ao mesmo tempo, um desafio e uma oportunidade sattvica: um chamado para olhar as subjetividades não como vítima do corpo, mas como parceira de sua metamorfose. Esse silêncio pode ser vivido como perda ou como reinvenção; depende do olhar, do cuidado e da coletividade que o sustenta. Não digo com isso que será fácil, e que você deva ser heroína, mas que você se sinta autorizada a ser o que quiser ser, do jeito que quiser ser.
Sabrina Alves é jornalista, escritora, terapeuta ayurvédica com mais de 18 anos de atuação, Doutora e Mestre em Ciência da Religião pela PUC/SP, especializada em gênero e decolonialidade nos textos clássicos do Ayurveda. Oferece cursos, consultorias e atendimentos personalizados voltados à perimenopausa e menopausa.
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