O que o Ayurveda ensina sobre o corpo que muda
- Naradeva Shala
- 21 de out.
- 4 min de leitura
Por Sabrina Alves
Há um instante na vida em que o corpo começa a falar outra língua. Ele já não responde com a mesma rapidez, não deseja as mesmas coisas, não suporta os mesmos excessos. Às vezes, é o sono que se quebra; outras, é a digestão que hesita, ou o humor que se recolhe. O mundo, no entanto, continua a exigir o mesmo ritmo — produtividade, eficiência, juventude. Mas o corpo, sábio em sua lentidão, começa a dizer "olha, essa lógica não me representa mais."
O que Ayurveda ensina sobre corpo que muda: ciência da vida e da continuidade, não vê essas mudanças como sinais de falência. Ele as reconhece como fases naturais do ciclo vital — como a passagem do dia para a noite, das estações, dos humores. Cada transição é uma oportunidade para retornar à escuta, ao ritmo, à comunhão com o próprio tempo. E diante dessa perspecitiva, gostaria de trazer a reflexão de que essa fase é PROCESSUAL.

O corpo como tradução do tempo
No pensamento ayurvédico, o corpo não é uma máquina, mas uma narrativa. Ele conta, com sutileza, o que as palavras não conseguem nomear. As flutuações hormonais, o cansaço, a raiva, a secura, a ansiedade — tudo são expressões dos doṣas (as forças que organizam o corpo e a mente).
Durante a maturidade, especialmente na perimenopausa e na menopausa, o Ayurveda ensina que o vāta doṣa — leve, frio, móvel e seco — torna-se predominante. Esse vāta é o vento interior que carrega nossas mudanças. Quando ele está equilibrado, sentimos leveza e criatividade; quando se agita, surgem insônia, irritabilidade, dispersão. O corpo muda porque o tempo dentro de nós também muda.
Aprender a reconhecer esse movimento é o primeiro passo do autocuidado: não lutar contra o corpo, mas sobrevoar com ele.
O corpo que muda não é falho — é sábio
A cultura moderna nos acostumou a ler as transformações do corpo como degeneração. A lentidão do metabolismo, a alteração da pele, a irregularidade do sono, os fluxos e refluxos hormonais — tudo se torna sintoma a corrigir. O Ayurveda propõe outro olhar: não há erro, há processo.
O corpo amadurecido não precisa ser corrigido; precisa ser escutado. Ele não está pedindo conserto, mas espaço. Essa escuta é também espiritual, pois o Ayurveda entende que o corpo é o altar da consciência — e que cada mudança biológica é um convite para refinar a presença. Portante, esse "espiritual" não é exatamente uma busca religiosa, mas algo que elucide a proposta de se reconhecer natureza, não parte da natureza, mas o corpo que muda tal qual as passagens que usamos para contar o tempo.
Ao contrário do que se diz, o envelhecimento não é perda de energia, mas mudança de frequência. A energia vital (prāṇa) deixa de se expressar em expansão e começa a se mover em profundidade. O fogo digestivo (agni) se recolhe, exigindo alimentos mais suculentos, untuosos, mornos, e a mente se volta para dentro, em busca de clareza.
Escuta, ritmo e cuidado
Para o Ayurveda, o cuidado começa com o ritmo. Ele está na rotina (dinācāryā), na alimentação (āhāra), no sono (nidrā), e nos gestos diários que organizam a mente. Pequenas práticas restituem harmonia aos ventos de vāta: acordar e dormir em horários regulares, realizar abhyanga (auto-oleação) com óleo morno, preferir alimentos cozidos, evitar excessos de estímulo e dispersão.
Esses gestos não são rituais de controle, mas de refinamento. São lembretes de que o tempo pode ser cuidado, de que o corpo tem ritmo próprio.

O corpo e a mente como território comum
As transformações da maturidade não acontecem apenas no corpo físico. Elas atravessam o emocional, o social e o simbólico. No Ayurveda, mente (manas) e corpo (śarīra) são inseparáveis. Quando a mente se agita, o corpo seca; quando o corpo se esgota, a mente se dispersa.
Por isso, cuidar da digestão não é apenas comer bem, é também digerir emoções. O fígado, órgão de pitta, guarda raivas antigas; o intestino, regido por vāta, manifesta ansiedades e medos. Cada órgão é também um arquivo de experiências. Restaurar a saúde, então, é reabrir esses arquivos orientando o grande agni para metabolizar o que ficou guardado e liberar o que já não serve.
Há uma ética nesse gesto: reconhecer que o corpo é coletivo, feito de memórias, relações, afetos. O cuidado com ele não é ato individualista, mas movimento comunitário.
Transformação como caminho
O corpo que muda é um espelho da natureza. Nenhuma árvore floresce o ano todo; nenhum rio corre sem curvas. Resistir à mudança é resistir à própria vida. O Ayurveda convida a observar essas transformações não como decadência, mas como passagem de um estado de energia para outro.
Na maturidade, somos chamados a abandonar o fogo da produção e cultivar o fogo da consciência. Esse fogo não queima — ilumina. Ele se chama agni, e continua aceso, mesmo quando parece apagar.
Quando aceito essa mudança de direção, percebo que cuidar de mim nessa perspectiva é estar contra a corrente: recusar a lógica da performance e escolher a escuta como forma de viver.
Em vez de conclusão, um convite
Se o corpo fala, é preciso reaprender sua língua. O Ayurveda oferece um dicionário inteiro — feito de ritmos, sabores, respirações, silêncios. Ele não promete imortalidade, mas presença.
Escrevo estas linhas como quem acende uma lamparina no meio da noite: não para iluminar tudo, mas para lembrar que a luz ainda existe.
Sabrina Alves é jornalista, escritora, terapeuta ayurvédica com mais de 18 anos de atuação, Doutora e Mestre em Ciência da Religião pela PUC/SP, especializada em gênero e decolonialidade nos textos clássicos do Ayurveda. Oferece cursos, consultorias e atendimentos personalizados voltados à perimenopausa e menopausa.

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